Ainda estou inconformado com a morte de Ruth Cardoso.Inexplicavelmente, diga-se…..
Sempre a admirei por sua discrição, inteligência, postura séria etc. Contudo, jamais a conheci (vi uma palestra dela, mas a uma considerável distância), exceto ao ler artigos e entrevistas dela. Mas ainda assim, tinha profunda admiração.
Alguns textos publicados após sua morte, entretanto, merecem a leitura. Talvez eles ajudem a explicar aquilo que eu mesmo não consigo….
ELIANE CANTANHÊDE
Ruth Cardoso
BRASÍLIA – Há alguns anos, ainda no primeiro mandato de FHC, o então ministro José Serra me descreveu a antropóloga Ruth Cardoso como “uma mulher admirável, com uma inteligência superior”.
Poder-se-ia descontar a antiga amizade de Serra com o casal Cardoso, consolidada nos anos de exílio no Chile, não fossem os elogios a Ruth uma constante entre todos os que conviviam com mais ou com menos intensidade com ela.
Com sua morte, personagens como Pedro Malan, Paulo Renato e Clóvis Carvalho desfilaram adjetivos para enaltecer a mulher inteligente, culta e discreta. Mas não foi a oportunidade, foi o que eles disseram sempre, na Presidência de FHC e depois. Com a concordância de muita gente, do DEM ao PT.
Ruth Cardoso detestava o título de primeira-dama e não gostava de jornalistas. Nos oito anos de mandato, eu poderia contar nos dedos as vezes em que a vi pessoalmente, e só falei com ela, diretamente, uma vez -sobre questões de gênero.
Ao entrevistar FHC no antigo apartamento dele da rua Maranhão, encontrei um ambiente acolhedor, sóbrio, com cadeiras confortáveis e objetos colhidos de viagens a diferentes regiões do mundo. Um típico apartamento de professores universitários com boa vivência no exterior, sem luxos desnecessários, sem traços de novo-riquismo. Ruth não estava, mas a casa era a cara dela.
Com a elegância que só as pessoas discretas têm, Ruth Cardoso também era profundamente orgulhosa da sua independência, sobretudo intelectual, de um marido tão esfuziante e com tanto poder. Jamais se ouviu dizer de sua interferência num programa de governo, numa decisão do Planalto, num movimento político do presidente.
O poder corrompe e deforma, mas Ruth Cardoso entrou e saiu dele com a mesma cara, o mesmo trajar, a mesma discrição e o mesmo respeito por ela própria. Como disse Serra, uma mulher admirável.
CLÓVIS ROSSI
Ruth e a “soberania”
SÃO PAULO – O melhor resumo-homenagem a Ruth Cardoso está na carta da dramaturga Consuelo de Castro, publicada pelo “Painel do Leitor”. Fala das aulas de antropologia e política dessa notável intelectual e fala, “sobretudo, do seu jeito soberano de encarar a vida”. A própria Ruth reforçou esse “jeito soberano” de ser em uma frase que a Folha pinçou como uma espécie de legenda para a foto dela.
Dizia: “Se tiver idéia diferente, eu expresso. Não tenho a mesma posição política só por ser casada”. Num país em que há, ainda, o primitivo raciocínio que faz da mulher mera extensão do homem (ou vice-versa, em tempos mais modernos), é todo um manifesto de soberania. Dupla soberania: a de pensar com a própria cabeça e a de não ajustar convicções a conveniências.
No plano micro, ultramicro, coube-me testemunhar uma cena explícita de “soberania”. No início do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, ele, a mulher e a comitiva de praxe fizeram visita oficial à Bélgica, que incluiu palestra no Colégio da Europa, em Bruges. Foi a primeira cidade, quando era Estado independente, a adotar a renda mínima, no remoto século 16 (exatamente 1526).
O casal visitou um museu, como procurava fazer sempre que possível. Pararam ante um quadro que mostrava um camponês recebendo um pão. FHC comentou: “Olha aí a renda mínima”. Ruth, com seu jeitão despachado, fulminou: “Que renda mínima, isso é assistencialismo puro”. O presidente calou-se, e a visita seguiu.
Passaram-se 13 anos, dois mandatos de FHC e um e meio de Lula, talvez os dois governantes de mais sensibilidade social entre todos os presidentes, tanto que construíram um embrião de rede de proteção social.
Dói, no entanto, que Ruth Cardoso não tenha sobrevivido para ver quebrado o assistencialismo.
Gostaria que me enviassem a carta-homenagem da dramaturga Consuelo de Castro, sobre d. Ruth Cardoso, citada por Clovis Rossi em 26.06.08 como publicada no Painel do Leitor…é que procurei em todos os dias, desde o dia 25.06.08 e não a encontrei. Grata pela atenção, Welma Aguiar Rezende; 6433 OABMG
Welma,
Eis o conteúdo da carta:
“Perder Ruth Cardoso é perder uma força apaixonada , um sentimento de mundo , como aquele que ela imprimiu com ternura e firmeza à minha geraçao em suas aulas de antropologia e politica e sobretudo com seu jeito soberano de encarar a vida. Que alguma cosmogonia das tantas tribos indigenas que estudamos possa recolher a sua luz, professora, a sua alma. Eu vou te amar todos os dias da minha vida.”
CONSUELO DE CASTRO , dramaturga (São Paulo, SP)
Abs,
Carlos Munhoz