John Forbes Nash, Jr (1928-2015)

No sábado aproveitei para ficar “off-line” e colocar em dia a leitura de alguns livros muito interessantes que estavam na fila no meu kindle. Com isso, só ontem li sobre a morte de John Nash.

Trata-se de mais um daqueles acontecimentos estranhos, que não têm rigorosamente nenhuma relação com o nosso dia-a-dia, com nossa vida cotdiana – mas que, ainda assim, me deixou profundamente triste. Admiro muito a trajetória do brilhante matemático que mudou alguns conceitos fundamentais da Teoria dos Jogos, em meio às dificuldades causadas pela sua esquizofrenia, mas especialmente admiro a humildade intelectual de um verdadeiro gênio.

John_Forbes_Nash,_Jr._by_Peter_Badge

O mês de maio, a despeito de ser o mês do meu aniversário, está se tornando um mês maldito.
Em 2010, morreu o brilhante Ronnie James Dio (16/05/2010).
No último dia 14/05, morreu B.B. King.
E agora morre John Nash?
Que zica!!

Foram feitos alguns bons obituários sobre Nash, entre eles o do Financial Times, o do New York Times, o da TIME etc. O Valor fez um bom resumo sobre alguns fatos marcantes da vida de Nash:

O matemático John Nash morreu no sábado (23) aos 86 anos em um acidente de táxi em Nova Jersey, nos EUA. Nash é vencedor do Prêmio Nobel de Economia e teve sua vida retratada nos cinemas por Russel Crowe no filme “Uma Mente Brilhante”.
Nash estava no carro com sua mulher, Alicia, 82, que também morreu. Segundo um policial local citado pelo site do canal ABC News, o motorista do táxi que levava o casal perdeu o controle do veículo em uma estrada e colidiu contra uma grade de proteção.
O policial disse ainda que a hipótese inicial é de que nenhum dos dois usava o cinto de segurança no momento do acidente, já que seus corpos foram lançados do carro.
O casal vivia em Princeton, em Nova Jersey, onde Nash era pesquisador na área de matemática da prestigiosa Universidade de Princeton.
Nash ganhou o Nobel de Economia em 1994. Nesta semana, Nash foi à Noruega para receber o Prêmio Abel de matemática por seu trabalho com equações diferenciais parciais.
Sua vida, incluindo a batalha contra a esquizofrenia e paranoia, foi retratada por Russell Crowe no drama de 2001 “Uma Mente Brilhante”, que ganhou quatro Oscars, incluindo o de melhor filme.
[…] Ter a vida transformada em uma cinebiografia trouxe à tona esqueletos do passado do matemático. Entre 2001, quando o filme estreou, e 2002, quando ganhou quatro dos oito Oscar a que concorreu (melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor diretor e melhor atriz coadjuvante), o matemático que sofria com esquizofrenia viu seu passado ser destrinchado pela imprensa.
Descobriu-se que ele teria tido experiências homossexuais, o que ele negou, que teve um filho fora do casamento com uma ex-enfermeira, o que é verdade, e que o filho que teve em seu casamento também sofre de esquizofrenia, o que também foi confirmado.
O site do jornalista Matt Drudge, famoso pela divulgação do escândalo Monica Lewinsky, revelou ainda que Nash escreveu comentários antissemitas numa carta de 1967 reproduzida na própria biografia: “A raiz de todo o mal, pelo menos em minha vida pessoal, são os judeus”.
Em outras ocasiões, teria se referido a uma tal “conspiração Krypto-Sionista”.
A polêmica levou Nash a aceitar convite do “60 Minutes”, uma das principais revistas televisivas dos EUA, para se defender, em março de 2002. Nela, ele conta que começou a ouvir vozes aos 30 anos e que eram “como anjos”.
Ele disse que teve ideias estranhas durante a época do auge da paranoia, um sintoma comum da doença, mas negou que fosse antissemita.
Ele revelou ainda que ficara próximo do filho que teve fora do casamento e que deu a ele parte dos royalties do filme. Falou também de seu outro filho, Johnny, que na época já exibia sintomas da esquizofrenia.
A acusação chegou a ameaçar o sucesso do filme em Hollywood, um dos setores da sociedade norte-americana em que a comunidade judaica é mais atuante. Na época, especulava-se que o filme perderia todos os Oscars.
A principal defesa dos envolvidos no filme foi de que as afirmações de Nash foram feitas no auge do período de 35 anos em que ele mais sofreu as consequências da esquizofrenia.
“Na mesma época em que escreveu isso, Nash pensava que era o messias, o imperador da Antártida e a reencarnação de Jó”, disse à época Sylvia Nasar, autora da biografia do matemático -“Uma Mente Brilhante” (editora Record, 2002).

BEIJING, CHINA - SEPTEMBER 28:  (CHINAOUT) American mathematician John Forbes Nash looks onduring day one of the 2011 Nobel Laureates Beijing Forum at the National Museum on September 28, 2011 in Beijing, China. The 2011 Nobel Laureates Beijing Forum will kick off on September 28 and last to September 30 with the theme of Innovation and Development.  (Photo by ChinaFotoPress/Getty Images)
BEIJING, CHINA – SEPTEMBER 28: (CHINAOUT) American mathematician John Forbes Nash looks onduring day one of the 2011 Nobel Laureates Beijing Forum at the National Museum on September 28, 2011 in Beijing, China. The 2011 Nobel Laureates Beijing Forum will kick off on September 28 and last to September 30 with the theme of Innovation and Development. (Photo by ChinaFotoPress/Getty Images)

Eu uso a mais famosa cena do filme “Uma mente brilhante” (vídeo abaixo) em algumas aulas, para mostrar aos meus alunos o conceito básico do equilíbrio de Nash, mas evidentemente alertei que a rigor a cena NÃO retrata um equilíbrio de Nash. Contudo, o filme (particularmente a cena do bar) ajuda a “apresentar” não apenas um conjunto de conceitos bastante complexos a quem jamais ouviu falar do tema – e possivelmente nunca mais terá a chance de estudar o assunto – mas tem o mérito de contar a vida de um gênio que, não fosse personagem do filme, poderia ficar relativamente desconhecido. O filme é bem feito, e o Russel Crowe está excelente no papel de John Nash (infelizmente o mesmo não pode ser dito da atriz que representou a mulher de Nash, uma mulher brilhante mas que no filme é apagada demais).

Recomendo, aliás, a entrevista concedida por Sylvia Nasar ao Washington Post. Ela é a autora do livro “Uma mente brilhante”, que deu origem ao filme que tornou John Nash conhecido fora do ambiente acadêmico. Sério, leia. Excelente entrevista mesmo.

Jogos asiáticos não são de soma zero

Artigo instigante publicado no Valor Econômico de ontem (link original AQUI), que merece ser lido. Achei uma abordagem interessante:

Duas anfitriãs da alta sociedade são rivais. Ambas protegem zelosamente suas respectivas posições sociais – e podem até punir um conviva que compareça à festa da outra, abstendo-se de enviar-lhe futuros convites.
A China e os EUA parecem considerar as relações na região Ásia-Pacífico de maneira semelhante: como um jogo de soma zero. Os países estão aderindo ao chinês Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII) ou à americana Parceria TransPacífico (PTP)? Será a China bem-vinda ou humilhantemente rejeitada em seu esforço visando convencer o Fundo Monetário Internacional a incluir o yuan em sua unidade contábil: os Direitos Especiais de Saque (DES)? São os EUA ainda a maior economia do mundo ou a China o ultrapassou em 2014?
Por mais tentador que seja focar tais indagações, elas são a maneira errada de encarar a economia mundial. Não há nenhuma razão pela qual alguns países não devam aderir tanto ao banco chinês (BAII) como à parceria americana (PTP) ou por que a superposição de participações não deva ser expandida ao longo do tempo – ou, na verdade, por que as anfitriãs não devam, futuramente, participar mutuamente de suas respectivas festas.
Infelizmente, não é assim que as questões atuais de governança econômica mundial estão sendo formuladas. Quando Reino Unido, Alemanha, Coreia do Sul, Austrália e outros países decidiram, em março, participar do BAII, o fato foi caracterizado (em parte devido a atitudes equivocadas de autoridades americanas) como uma deserção em massa de aliados dos EUA rumo à festa de um rival.
Mas não há nada de errado em aderir ao BAII. A Ásia necessita mais ajuda, para investimentos em infraestrutura, do que o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento podem suprir; a China pode desempenhar um papel de liderança útil; e a participação de países que respeitam elevados padrões de governança pode ajudar a evitar práticas de apadrinhamento, corrupção e danos ambientais a que grandes projetos de infraestrutura são propensos.
Da mesma forma, as negociações da PTP são por vezes caracterizadas como uma tentativa americana de isolar a China. Mas, tendo em vista o elevado volume de comércio na região da Ásia-Pacífico e seu denso conjunto de acordos comerciais, nenhum país, inclusive a China, está em vias de ser isolado. E em vista da paralisação, há anos, das negociações na Organização Mundial do Comércio, de que todos os países poderiam participar, a PTP e outras iniciativas regionais (como a Cooperação Econômica Ásia Pacífico e várias áreas de livre comércio intra-Ásia) são melhores do que nada.
As relações cambiais são outra área onde o pensamento de soma zero prevalece. Em 9 de abril, o Departamento do Tesouro dos EUA divulgou o relatório semestral cobrado pelo Congresso para identificar os países envolvidos em “manipulação de moedas”. Desta vez, nem a China nem quaisquer outros países foram considerados culpados. Mas autoridades do Tesouro acreditam que precisam manter a pressão, por temer que o Congresso cumpra as ameaças de punir supostos manipuladores de moedas, frustrando a TPP e outros acordos comerciais.
Depois, há os DES. A cada cinco anos, o FMI reconsidera sua composição, que é atualmente definida em termos de dólares, euros, ienes e libras. É improvável que a moeda chinesa, o yuan, seja incluído na cesta agora, porque não é “livremente utilizável”. E, embora isso seja provavelmente citado como uma derrota para a China, não deveria ser assim. A questão é de escassa relevância.
Pode parecer que tudo isso poderia ser considerado como nada mais que um inofensivo esporte de massas coberto pela mídia. Mas, na medida em que um foco indevido no ranking dos países torna-se uma barreira a uma política sensata, isso pode causar danos reais.
Esse é o caso no que diz respeito à paralisada reforma dos pesos das cotas de participação no FMI, um problema em que as posições no ranking têm alguma importância, mas com um resultado de soma não zero. Sob qualquer referencial de relevância econômica, a China e outras grandes economias emergentes há muito deveriam merecer cotas bem maiores no FMI, o que implicaria maiores contribuições financeiras e maiores pesos de voto.
Mas as ampliações de participação não precisam, necessariamente, acontecer à custa dos EUA. Os países europeus é que estão excessivamente representados. Apesar da relutância europeia em ceder terreno, o presidente dos EUA, Barack Obama, conseguiu intermediar essa realocação de cotas no FMI na cúpula do G-20 em Seul, em novembro de 2010. Cinco anos depois, o Congresso dos EUA ainda está sustando a reforma de cotas no FMI – não porque ela implicaria alguma perda de poder ou custo para os contribuintes americanos, mas porque muitos membros não querem dar a Obama nada que ele peça.
Trinta anos atrás, tudo o que o Ocidente queria era que a China se tornasse uma economia capitalista. Foi o que os chineses fizeram – com um sucesso espetacular. As regras do jogo agora exigem que seja dada à China maior participação na governo das instituições internacionais.
Abrir espaço na mesa ajudará os demais, todos nós, no “jogo” que mais importa: paz e prosperidade mundiais. Se o Congresso não aprovar a reforma de cotas no FMI, os EUA dificilmente poderão culpar os chineses por assumir, eles próprios, iniciativas como o BAII.
Frequentemente, ouvimos referências a “hard power” (poder militar) e “soft power” (a atratividade das ideias, cultura, sistema econômico etc de um país). Mas há um outro tipo de poder. Desde Bretton Woods, os EUA detiveram o poder de liderança mundial. Durante o período entre guerras (1919-1939), os americanos estavam despreparados para assumir aquele manto; mas a Segunda Guerra Mundial ensinou-lhes o custo do isolacionismo e eles puseram-se à altura do desafio em 1944.
Setenta anos depois, mesmo após enormes erros de política externa americana no Iraque e em outros países, e mesmo após o PIB chinês ter, supostamente, ultrapassado o dos EUA (pelo menos em termos de paridade de poder de compra), o mundo continua disposto a ser liderado pelos EUA, inclusive no que diz respeito aos temas cruciais de comércio e reforma do FMI. Se aqueles que insistem em ficar “computando saldos de gols” prevalecerem, os EUA não serão capazes de exercer a liderança de que o mundo necessita. E o mundo procurará outro país

E a Dilma Ruinsseff achando que o banco dos BRICS ou o BNDES são o máximo da civilização…

2015-03-25 10.48.27

Pobre anta.

2015-03-25 22.16.22

Teoria dos Jogos: simetria, cooperação e diversão

Há algumas semanas estou enrolando, mas neste fim de semana PRECISO tirar essas leituras da lista de “stand by”, sob o risco de permitir a criação de teias de aranha no cérebro (não dá para ler só TCC, senão atrofia tudo!). As 3 me parecem bem interessantes:

1) Cooperation under incomplete information on the discount factors

Abstract: In repeated games, cooperation is possible in equilibrium only if players are sufficiently patient, and long-term gains from cooperation outweigh short-term gains from deviation. What happens if the players have incomplete information regarding each other’s discount factors? In this paper we look at repeated games in which each player has incomplete information regarding the other player’s discount factor, and ask when full cooperation can arise in equilibrium. We provide necessary and sufficient conditions that allow full cooperation in equilibrium that is composed of grim trigger strategies, and characterize the states of the world in which full cooperation occurs. We then ask whether these “cooperation events” are close to those in the complete information case, when the information on the other player’s discount factor is “almost” complete.

2) The single crossing conditions for incomplete preferences

Abstract: We study the implications of the single crossing conditions for preferences described by binary relations. All restrictions imposed on the preferences are satisfied in the case of approximate optimization of a bounded-above utility function. In the context of the choice of a single agent, the transitivity of strict preferences ensures that the best response correspondence is increasing in the sense of a natural preorder; if the preferences are represented by an interval order, there is an increasing selection from the best response correspondence. In a strategic game, a Nash equilibrium exists and can be reached from any strategy profile after a finite number of best response improvements if all strategy sets are chains, the single crossing conditions hold w.r.t. pairs (one player’s strategy, a profile of other players’ strategies), and the strict preference relations are transitive. If, additionally, there are just two players, every best response improvement path reaches a Nash equilibrium after a finite number of steps. If each player is only affected by a linear combination of the strategies of others, the single crossing conditions hold w.r.t. pairs (one player’s strategy, an aggregate of the strategies of others), and the preference relations are interval orders, then a Nash equilibrium exists and can be reached from any strategy profile with a finite best response path.

3) Strategy-proofness versus symmetry in economies with an indivisible good and money

Abstract: We consider the problem of allocating a single indivisible good among $n$ agents when monetary transfers are allowed. We study the possibility of constructing strategy-proof, symmetric, and budget balanced mechanisms. We show that there is no strategy-proof, symmetric, and budget balanced mechanism (under the weak domain condition that the set of agent’s possible valuations includes at least $n+1$ common valuations). Moreover, this result implies that there is no strategy-proof, symmetric, and budget balanced mechanism (i) in the model where agents may have non-quasilinear preferences, and/or (ii) in the unit-demand model with $n$ heterogeneous indivisible goods.

E, ainda no assunto Teoria dos Jogos, li isso aqui há algum tempo no blog Economista X e havia esquecido de divulgar. Vale a pena:

Um programa de TV (Japonês) colocou três campeões olímpicos de esgrima para lutar contra 50 esgrimistas amadores. O objetivo era, com a espada, “matar” o oponente — o que significava furar um pequeno balão no peito do mosqueteiro. Antes de olhar o vídeo (no fim do post), vale a pena perguntar: qual é o resultado previsto pela teoria dos jogos? Será que a teoria acerta?
Que jogo é esse e qual é sua solução?
Antes de saber qual conceito de solução aplicar (Nash, subjogo perfeito, sequencial etc), é preciso descobrir que “classe de jogo” esse quadro da TV seria.
Não é exatamente trivial caracterizar essa situação dentro de um “game-theoretic” framework. Mas vejamos. Existe um conjunto de jogadores. O jogo é claramente sequencial, com se fosse dividido em vários estágios em cada um dos quais um grupo de amadores vai se revezar no ataque dos mosqueteiros olímpicos. Quando cada amador decide o que fazer em cada estágio do jogo, ele não sabe exatamente o que os demais jogadores fizeram nos estágios anteriores. Em cada conjunto de informação, há várias histórias de jogo e cada jogador não sabe exatamente qual foi exatamente a história de jogo de cada um dos demais jogadores.
Cada jogador tem um conjunto de estratégias em cada conjunto de informação do jogo. E cada uma dessas estratégias tem um ganho associado à ela. Há claramente heterogeneidade entre os jogadores: cada um parece ser de um dos dois seguintes tipos: o tipo “brigão”, que vai “engage” um dos esgrimistas olímpicos, e o tipo “malandro”, que vai pegar carona na multidão pra prolongar sua sobrevivência no jogo. Há uma distribuição (subjetiva) de provabilidades sobre quem é de que tipo aqui, supõe-se. O payoff desses tipos é provavelmente diferente porque os primeiros derivariam uma utilidade em exercer esforço.
Dito isto, estamos diante de um jogo dinâmico com informação incompleta. A questão então é: qual é o Equilíbrio Perfeito Bayesiano de Nash nesse jogo?
Solução
Esse tipo de equilíbrio envolve não apenas uma sequência de estratégias para todos os estágios do jogo (perfil de estratégias) mas também um conjunto de crenças que seja consistente com as estratégias em cada estágio e onde a crença sobre em qual trajetória ele se encontra em cada conjunto de informação no qual ele é chamado a jogar é definido de acordo com a regra de Bayes.
Com a informação que está disponível ao se assistir o vídeo, é obviamente impossível computar o equilíbrio desse jogo sem fazer um monte de suposição adicional que restrinja o espaço de estratégias e diminua a multiplicidade de trajetórias que 50 jogadores em um jogo com tantos estágios pode gerar. O que torna esse jogo mais complicado de analisar mas também mais fascinante é que o número de jogadores vai diminuindo ao longo do jogo.
Schelling point
Mesmo assim, considerando que o payoff do jogo para os mosqueteiros amadores era uma função direta tanto do ato de derrotar os esgrimistas olímpicos quanto de permanecer no jogo por mais tempo possível, é possível argumentar que o equilíbrio do jogo seria “misturada” no sentido de que envolveria uma estratégia na primeira parte do jogo (se esconder e evitar uma disputa direta com os esgrimistas olímpicos) e outra na segunda parte do jogo (atacar o esgrimista olímpico — ponto focal — usando o tamanho menor de esgrimistas para uma ação coordenada, o que em certo sentido poderia ser uma “misrepresentation” de tipo). Tudo indicaria, ao menos teoricamente, que um dos esgrimistas amadores seria o vencedor.  Será que é isso que acontece? Vejam o vídeo por vocês mesmos.

Há obviamente, dezenas de outras explicações possíveis — inclusive mais simples.

Finalmente, eis aqui o vídeo mencionado:

 

 

A vitória do capitalismo

Graças ao vídeo que mostra a Presidanta falsificando um discurso de 7 de setembro (post anterior), acabei lendo alguns comentários sobre a questão da privatização feita pelo FHC no fim da década de 1990.

Junto com as bobagens de sempre (menção ao livretinho vagabundo “A Privataria Tucana” é uma das bobagens recorrentes, o que é compreensível inclusive pela alarmente quantidade de analfabetos funcionais que temos no Brasil), especialmente em momentos de crise, vejo gente pregando o socialismo como “solução”.

Se essa gente pelo menos soubesse o que é o socialismo, OK. Mas 90% nem faz idéia!
Assustador.

De qualquer forma, reproduzo esta matéria da Ilustríssima de 02/09/2012, tratando de um livro que parece ser muito interessante:

A vitória do capitalismo

Para jornalista, “nenhum outro arranjo social produziu ganhos tão sustentáveis”

DIOGO BERCITO

A lista de piores livros já escritos, para a jornalista americana Sylvia Nasar, autora do best-seller “Uma Mente Brilhante”, inclui “O Capital”, de Karl Marx, ao lado de “Minha Luta”, de Adolf Hitler.

A falta de carinho em relação ao teórico do marxismo resultou do susto que Nasar, com formação em literatura e economia, tomou ao se aprofundar em sua obra. “Venho de um ambiente acadêmico marxista, então fiquei chocada quando percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros”, diz à Folha, em entrevista por telefone, de Nova York.
Nos últimos anos, Nasar organizou quase dois séculos de historia do pensamento econômico na obra *”A Imaginação Econômica” [trad. Carlos Eugenio Marcondes de Moura, Companhia das Letras, 584 págs., R$ 54,50]*, que chega agora ao Brasil.

O trabalho foi tão extenuante que ela prometeu a si mesma nunca mais escrever outro livro. Os questionamentos sobre Marx, no fim das contas, acabaram se tornando o elemento divertido da pesquisa. “Karl Marx e Friedrich Engels são grandes personagens, cheios de contradições”, ela diz.

Contraditórios ou não, ambos foram, para Nasar, “fios constantes” na narrativa econômica nos dois últimos séculos -parte da mesma tradição que levou às manifestações do estilo “Ocupe Wall Street”, que tomaram as ruas no ano passado para protestar contra o capitalismo.

Mas a acumulação de capital é um dos heróis de “A Imaginação Econômica”. A autora afirma que “nunca houve outro arranjo social que tenha produzido ganhos tão sustentáveis”. Essa é a “grande busca” a respeito da qual o título, em inglês, se referia (“Grand Pursuit”). Em português, sumiu a ideia de uma epopeia rumo a um mundo melhor.

Na entrevista a seguir, Nasar fala sobre o resgate de personagens esquecidos pela historiografia econômica, como Alfred Marshall e Beatrice Potter -e sobre aqueles que, acredita, deveriam ser menos lembrados.

Folha – Uma das ideias por trás de “A Imaginação Econômica” é a de que o capitalismo melhorou o padrão de vida no mundo. Mas temos visto protestos de quem pensa o contrário, como o movimento “Ocupe Wall Street”.
Sylvia Nasar – Não há nada de novo nessas manifestações. Esse tipo de protesto começou ao mesmo tempo em que ocorreu a revolução nos meios de vida, no século 19. Essas críticas, como as encarnadas por Engels e Marx, foram fios constantes nessa narrativa. Isso é paradoxal. Nunca houve um arranjo social e um conjunto de instituições e de práticas que tenham produzido ganhos tão sustentáveis. Isso não apenas no que diz respeito a consumo material -hoje, a maior parte das pessoas pode fazer escolhas.

Por que então o capitalismo é visto por alguns como um mal?

Toda recessão, não importa se severa ou branda, produz questionamentos sobre se estamos realmente fazendo o melhor que podemos. Isso não é ruim. Um dos temas de “A Imaginação Econômica” é que os gênios da economia sempre pensaram que nós poderíamos fazer melhor.
Mas não acho que esses protestos sejam comparáveis às demonstrações de fúria que foram vistas durante a Grande Depressão, nos anos 30. Hoje, há uma rede de proteção muito maior. Muitos países podem proteger a população.

É o caso do Brasil?

Sim. A grande motivação de John Maynard Keynes e Irving Fisher para advogar pela intervenção estatal como modo de limitar a recessão -opondo-se à ideia de Friedrich Hayek e Joseph Schumpeter de deixar a natureza seguir seu curso- era evitar os riscos políticos.
Não é que eles pensassem que a economia não se recuperaria sozinha, mas que as pessoas iriam buscar soluções que tornariam os desastres piores. Na América Latina, o maior risco político sempre foi o populismo. Na Europa Ocidental e na Ásia, o comunismo.

A sra. diria que o socialismo perdeu a batalha como alternativa ideológica?

O que está falido é a ideia de que um sistema controlado pelo governo poderá produzir uma performance econômica superior, uma performance social superior.
Essa grandiosidade, a não ser para um número pequeno de pessoas, está morta por ora. A ideia de que há um modelo único que será seguido por todos para atingir sucesso econômico não é comprovada por evidência empírica.
Mas, se você está falando sobre socialismo como aquele do Estado de bem-estar social, acho que ele está aqui para ficar.

Recentemente você citou “O Capital”, de Marx, como um dos piores livros já escritos.

Eu me diverti enquanto escrevia sobre marxismo. Marx era realmente esperto. Mas, infelizmente, ele nunca entendeu, ou quis entender, a coisa a que ele se dedicava, que era a economia inglesa.
Estudei economia depois de me formar em literatura. Estava em desvantagem. Era tão difícil, para mim, que nunca terminei meu PhD. Mas fiquei chocada quando percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros. Os erros dele são tão elementares!

As pessoas têm suspeitado da economia como ciência, dizendo que não previu a crise.

Fazemos o melhor em termos de resolver as questões econômicas, e não há uma alternativa real ao pensamento econômico. Não é como na psicologia ou na engenharia, em que teorias competiram por território.

Você disse durante uma entrevista que, se pudesse escolher um livro para o presidente dos EUA ler, seria “A Imaginação Econômica”. Em que essa leitura mudaria a política econômica americana?

Eu disse isso? [Risos] Foi realmente sagaz. Acho que, em tempos de crise, ter liderança é realmente importante.
As políticas de Franklin D. Roosevelt não fizeram nada para terminar com a Grande Depressão. As de Herbert Hoover, idem. As pessoas não sabiam o que fazer. Mas eles exalavam otimismo -não um otimismo ingênuo, de que o céu está limpo, mas a confiança de que, na economia de mercado e na democracia, há fundamento para sermos otimistas.
O que eu gostaria de ver é o presidente dos EUA, seja ele quem for, inspirar esse tipo de confiança. Será útil para as pessoas enxergarem que esse não é o fim do progresso. É um problema solucionável.

Na Europa, a impressão que se tem é de que não há solução.

Me surpreende que ainda haja quem argumente que não fazer nada é melhor do que fazer. Que equilibrar o Orçamento é prioridade máxima. Essa ideia não funcionou nos anos 1930!
As pessoas falam em uma “crise europeia”, mas hoje há coisas como o seguro-desemprego. A crise não está causando o tipo de sofrimento visto na década de 30. Agora, há um grande colchão. Eles [os europeus] são tão ricos! As pessoas têm tempo de pensar no que funciona melhor. Não foi assim nos EUA.
Estive na Polônia, no outono passado. Todas as vitrines, nos shoppings, tinham como alvo o público jovem. Todas tinham descontos para estudantes. Minha filha me perguntou: “Ei, mãe, mas como estudantes conseguem comprar aqui?”

“Uma Mente Brilhante” era sobre uma pessoa. “A Imaginação Econômica”, sobre uma ciência. São abordagens opostas?

Sim. Foi isso o que me deu trabalho. “Uma Mente Brilhante” foi uma tarefa de repórter. Só um jornalista conseguiria fazer. Não havia textos de referência, foram necessárias centenas de entrevistas.

Em “A Imaginação Econômica”, lidei com ideias. Foi como escrever dez biografias diferentes. Organizar tantos personagens e teorias em uma história linear exigiu muito esforço. Não sou uma grande pensadora. Sou boa para os detalhes e para as conexões.


Qual seria o resultado de “A Imaginação Econômica”, se você não fosse jornalista?

Nenhum economista escreveria esse livro. Eles não dedicariam o tempo deles para isso. É preciso ser um generalista. Cada pessoa, cada evento sobre os quais escrevi no livro tem uma indústria de acadêmicos por trás dele.
Acadêmicos não fazem isso, e não deveriam -mas jornalistas podem entrar em um assunto em “estado de ignorância”, confiando na sua habilidade de reunir informações e contar histórias.

Nesse processo, você resgatou personagens esquecidos pelas narrativas tradicionais, como Beatrice Potter e Alfred Marshall.

E Irving Fisher. Quando entrevistei [o economista] Milton Friedman, ele me disse voluntariamente que o maior economista americano do último século foi Fisher. Mas ninguém fora do meio econômico sabe quem ele é. Ele desapareceu do conhecimento popular.
É como Alfred Marshall, que todos tratam como um vitoriano fora da realidade, mas que era muito mais consciente sobre a situação inglesa do que Marx.
Acho isso engraçado. Como é que Marx, o cara que estava errado, terminou como um santo e Marshall, o cara que era realmente uma força criativa, teve suas contribuições minimizadas?

Você esteve ocupada com grandes projetos nos últimos 15 anos. Qual é o impacto na sua vida?

No final de “A Imaginação Econômica”, disse aos meus filhos -se eu disser que vou escrever um livro de novo, por favor peguem uma arma e atirem em mim.
Quando você está fazendo uma reportagem, pode entregar o texto ao editor e aproveitar o fim de semana. Quando escreve um livro, está sempre se sentindo culpado. Ou está trabalhando, ou está evitando trabalhar.
Mas foi bom que eu tenha demorado tanto para escrever esse livro. A única época em que as pessoas se interessam por economia é durante recessões.

Teorias complexas, explicações simples

O texto abaixo foi publicado no Valor Econômico, e trata da assimetria de informações.
Um texto claro, interessantíssimo, que vale a leitura.

O artigo serve como uma excelente introdução a conceitos como “competitividade”, “Teoria dos Jogos” e outras tantas – mas faz isso de uma forma extremamente clara e simples.

Peço ao leitor que, depois de ler, reflita sobre a assimetria das informações. Uma empresa precisaria de uma estratégia competitiva se todos num determinado mercado tivessem acesso às mesmas informações? Concorrentes, clientes, funcionários etc…?

Leia, e reflita:

Carro usado, o taxista e a crise

Por Bernardo Guimarães e Carlos Eduardo Soares Gonçalves, para o Valor
20/06/2008

Lembro-me de minha animação de menino quando meu pai anunciava que ia trocar de carro. O processo de compra de outro carro era para mim empolgante em si: ir às feiras de carros usados, entrar em vários modelos, dar palpite ao meu pai, acompanhá-lo nos testes de direção, etc. Hoje, mais interessante para mim é a semelhança entre os empecilhos ao funcionamento do mercado de automóveis usados e as causas da crise financeira nos Estados Unidos. Ambos tem a ver com o que os economistas chamam de problemas de assimetria de informação.

O problema com o funcionamento do mercado de carros usados não é a qualidade dos carros em si, mas sim o fato de o dono conhecê-la bem melhor do que os potenciais compradores. Dentro do contingente de carros usados existem aqueles bem conservados e outros em mau estado, a depender do cuidado prévio do dono, entre outras coisas. No entanto, é muito difícil para o comprador separar o joio do trigo. Seu pior pesadelo é descobrir apenas três meses mais tarde que o automóvel adquirido estava com a caixa de marchas comprometida!

Mesmo não sabendo separar gato de lebre, o fato de o comprador saber que existem carros bons e carros ruins influencia o montante que ele está disposto a desembolsar na feira de carros usados. Exemplificando com números: se um carro bom para ele vale até R$ 20 mil e um ruim no máximo R$ 5 mil, e há 50% de chance de o carro ser bom, ele não pagará mais do que R$ 12.500 (R$ 20.000 x 0,5 + R$ 5.000 x 0,5) para trocar de automóvel. Infelizmente, a R$ 12.500 um vendedor que tem um carro bom em mãos (e sabe disso) muito provavelmente não vai querer fechar negócio. Assim, na feira sobram apenas os carros ruins.

De sua parte, os compradores entendem perfeitamente essa lógica e, portanto, ou vão embora (os que fazem questão de comprar um carro bom), ou desembolsam R$ 5 mil por um carro que eles sabem ser ruim. Resumo da ópera: não é possível comprar e vender carros bons na feira de carros usados!

O problema informacional caracterizado no exemplo precedente recebe o nome de seleção adversa. Ele ocorre quando antes de a transação ser concretizada, uma das partes possui mais informação do que a outra.

Vejamos outro caso interessante de seleção adversa. Em Nova York o táxi é um meio de transporte muito utilizado. Em Nova York há negros e brancos. Em Nova York, por diversas razões históricas, alguns taxistas nutrem algum grau de preconceito contra os negros. O que é incrível é que, por causa do preconceito inicial de alguns taxistas, mesmo se o porcentual de negros assaltantes na população de NY for igual ao de brancos assaltantes, haverá desproporcionalmente mais negros assaltantes em busca de táxis. Isso, por sua vez, explica por que mesmo um motorista não intrinsecamente racista optará racionalmente por não pegar clientes negros. Vejamos por quê.

O problema é similar ao dos carros usados: o motorista não sabe distinguir ladrão de trabalhador de dentro do carro – antes de a transação ocorrer, quem espera o táxi sabe mais sobre si mesmo do que o taxista. Mas, se a proporção de assaltantes for idêntica dentro dos dois grupos étnicos, o motorista não racista não tem motivos para evitar clientes negros, certo? Errado. Se há um grupo de taxistas preconceituosos, os negros em média esperam mais tempo para conseguir um táxi. Para os negros trabalhadores, isso significa um custo de tempo relevante, levando-os a optar pelo metrô. Resulta que o preconceito inicial que acarreta um custo de espera para o negro trabalhador altera a proporção “negros assaltantes/negros trabalhadores” à espera de um táxi (acontece uma seleção adversa), elevando-a comparativamente à do grupo de brancos. Conseqüentemente, haverá mesmo mais negros assaltantes demandando táxis e em vista disso um taxista não racista racionalmente evitará clientes negros.

No exemplo dos carros usados, a assimetria informacional entre comprador e devedor faz que os carros bons sejam expulsos do mercado pelos ruins. No dos taxistas, assimetria informacional combinada com alguma dose de preconceito inicial faz que os negros trabalhadores sejam substituídos pelos negros assaltantes na fila do táxi.

Outro tipo de assimetria informacional muito estudada pelos economistas – chamada de perigo moral – é aquela que se dá não antes, mas depois de a transação ser efetuada. Concretamente, ela é grave quando uma das partes não consegue monitorar facilmente as ações da outra uma vez celebrado o acordo ou negócio e essas ações afetam de modo significativo o ganho da parte menos informada. O exemplo mais tradicional de perigo moral diz respeito aos contratos de seguro. Depois de assinado o contrato de seguro de um automóvel, os incentivos do dono do carro para dirigir mais prudentemente ou para estacionar no estacionamento fechado, em vez de na rua, diminuem.

Essa mudança de comportamento afeta adversamente o lucro da seguradora, mas é difícil evitá-la, dado que para a seguradora é impossível monitorar de perto o modo de dirigir do segurado e cobrar de acordo com isso (esta é assimetria informacional em questão). Agora o leitor já sabe o motivo da existência da franquia: reduzir os incentivos à displicência do segurado depois de feito o seguro.

Conhecendo os conceitos de seleção adversa e perigo moral, podemos enfim entender a anatomia da crise do subprime, que tem causado muita preocupação nos mercados mundiais. Depois da breve recessão de 2001-2002, o Banco Central dos EUA manteve a taxa de juro em níveis muito baixos por muito tempo visando a restabelecer um crescimento maior e fugir da deflação.

Nesse cenário, muitas instituições financeiras, tendo acesso a recursos a taxas mais baixas – e enfrentando dificuldades de prover taxas de retorno mais gordas a seus depositantes -, optaram por estender empréstimos imobiliários a grupos que antes não tinham acesso a esses créditos. Em conseqüência, piorou a qualidade média da carteira de empréstimos (seleção adversa). Semelhantemente ao caso dos carros usados e dos negros esperando táxi, quando algumas instituições financeiras relaxaram seus padrões de concessão de empréstimos, a qualidade média do devedor piorou. Aí, quando os juros voltaram a subir, uma parte desses tomadores com menor fôlego financeiro não conseguiu honrar suas prestações. A taxa de inadimplência cresceu fortemente – principalmente entre os que se haviam endividado a taxas variáveis – e deu no que deu.

Complicando mais a situação dos bancos, os preços dos imóveis começaram a cair, em parte por causa da alta do juro. Como os imóveis são a garantia dos bancos caso os empréstimos não sejam honrados, a situação se deteriorou mais ainda, dado que não apenas os que não conseguiram repagar entregaram às instituições financeiras garantias (imóveis) com baixo valor de mercado como alguns devedores optaram por estrategicamente inadimplir: melhor entregar um imóvel que vale pouco do que pagar uma dívida mais “salgada” depois da alta do juro.

Isso tudo nos remete à seguinte questão: por que algumas instituições financeiras aumentaram tanto sua exposição em empréstimos para grupos com menor capacidade de repagamento? Em parte pelo dito algumas linhas acima (menor custo de captação), em parte porque o dinheiro que elas emprestam é de terceiros, o que aumenta sua propensão a arriscar.

Nasce justamente aí a justificativa para a regulação bancária e não é à toa que depois da crise do subprime foi retomado o debate sobre a adequação das atuais regras da Basiléia. Mas por que a necessidade de regulamentação pública? Por que os depositantes não monitoram eles mesmos as ações das instituições financeiras? Em parte porque eles não têm as mesmas informações que elas e é custoso adquiri-las e em parte porque o sentimento de que as autoridades governamentais não deixarão as instituições financeiras quebrar caso uma crise ocorra (e há bons motivos para isso, dado o custo enorme das crises bancárias) diminui seus incentivos para monitorar de perto a qualidade dos empréstimos.

No arranjo ideal, o governo garantiria ao depositante que este recuperaria seu dinheiro no caso de uma crise bancária (esse tipo de seguro ajuda muito a impedir que esse tipo de crise ocorra) com a condição de que ele monitorasse de perto as ações da instituição financeira que administra sua poupança. Contudo, similarmente ao segurador de carros, o governo não tem como saber se os depositantes estão ou não vigiando as ações da instituição depois da efetivação do seguro-depósito. Por causa disso, o controle dos indivíduos sobre as instituições financeiras será necessariamente precário se houver alguma expectativa de socorro com dinheiro público caso o pior se materialize.

É por isso que se faz necessária a regulamentação pública no setor financeiro. De fato, a ausência de regulamentação no caso dos Fundos Imobiliários americanos é recorrentemente apontada como fator importante na explicação da crise.

Concluindo, as questões de assimetria informacional estão presentes em diversos contextos socioeconômicos. É no mínimo curioso que o “racismo” de não racistas, as dificuldades nos mercados de carros usados e a crise do subprime tenham tanto em comum.

Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor da FEA/USP, e Bernardo Guimarães, professor da London School of Economics, são autores de “Economia sem Truques” (Campus/Elsevier) e escrevem neste espaço na terceira sexta-feira do mês