Está cada vez mais difícil ler algo que preste na Folha, mas neste domingo (15) havia uma entrevista com o Affonso Celso Pastore que valia a pena.
De forma bastante clara, didática até, ele demonstra os principais (não únicos) erros que a gerentona incomPTente vem cometendo na economia, citando desde o intervencionismo totalitário e burro (no caso do sistema elétrico, com quebra de contratos e ações mentirosas e populistas, ao pior estilo Hugo Chávez), passando pelo aparelhamento descarado do BNDES e outros bancos públicos, que vem sendo usado para beneficiar apenas e tão somente quem se alinha (por ideologia ou, mais frequentemente, por conveniência) ao projeto de poder do PT, e chegando à perda da competitividade no país.
Reproduzo na íntegra, porque merece:
Folha – O governo baixou o custo do capital, o dólar subiu, fizeram intervenções, tiraram impostos. Ainda assim o crescimento não foi o esperado. As premissas estavam erradas?
Affonso Celso Pastore – Foi a ideia de que o estímulo fiscal produz crescimento. Ou a de que baixar juros liberta o espírito animal. Ou a de que a depreciação cambial melhora a competitividade. Ou a de que, se intervir mais, produz resultados melhores. Esse grau de intervencionismo feito em um setor ou outro, em vez de gerar um setor privado que está atrás do lucro e da eficiência, deixa muito mais eficiente ir a Brasília batalhar pela sua isenção tributária, desde que você tenha o poder político de convencer o ministro, de convencer o presidente. Há algo de profundamente errado nessa política. Chega a absurdos. Por exemplo, para baixar o preço da energia, quebrou-se um contrato. Criou-se uma incerteza para quem investe em infraestrutura. Intervencionismo excessivo leva a desajustes.
O sr. vê uma reavaliação dessa política atualmente?
Quando as coisas dão errado, ou você recua, ou dobra a aposta. A outra opção são ajustes pequenos, sem mudar o curso. Na medida que vai empurrando com a barriga, não tira o desajuste, mas também não obtém resultado. É condenado a ter uma inflação em 6% e pouco, um deficit em conta-corrente em 3%, 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) e um crescimento de 2%, 2,5%. Tem um resultado medíocre e vai levando para ver até onde chega.
Estamos condenados, pela política econômica, a voltar a um crescimento de 3%, com uma inflação em 6%?
Affonso Celso Pastore – Não. O Brasil não está “condenado”, porque cometeu algum pecado, a ter que crescer sempre a 2%, 2,5%. Também não pode crescer 6%, não há mão de obra suficiente. Há uma vedação demográfica. De 2002 para cá, a taxa de ocupação subiu, o desemprego caiu. Agora há um estoque muito menor de gente voluntariamente fora do mercado de trabalho. Caiu na margem a contribuição do crescimento populacional para a expansão da economia. O segundo ponto é que a contribuição da produtividade total dos fatores no Brasil vem diminuindo.
É ela o que mais contribui para o crescimento, não?
Sim, embora você precise também de acumulação de capital. O Brasil, durante o início do governo militar, teve um conjunto de reformas que gerou um período de alta elevação de produtividade nos anos subsequentes, o chamado “milagre econômico”. Depois, houve um segundo ciclo, que começou com a abertura da economia no governo Collor, passou pelo ciclo de reforma monetária do governo FHC, pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelo período de reformas do primeiro governo Lula.
Esses são exemplos de reformas que realmente aumentaram a eficiência, aumentaram a produtividade. Mas o impulso dessas reformas está morrendo, porque nós estamos virando isso de cabeça para baixo. Em vez de acentuar a ida para a eficiência, estamos acentuando a ida para ineficiência. Um dos argumentos do governo é que as licitações vão dar esse ganho de produtividade porque, ao melhorar a infraestrutura, vão baixar o custo.
Eu não tenho dúvidas de que a infraestrutura é absolutamente fundamental para gerar tudo isso. Agora deixe-me falar um pouco sobre a forma como estão sendo conduzidas: o governo não tem dinheiro, então chama o setor privado. Mas ele diz “você tem que dar um passo aqui, outro passo para cá, você não pode sair desse círculo”.
Para elevar a TIR [taxa interna de retorno, medida de rentabilidade de um investimento], o BNDES alavanca com 80%, 90% de financiamento, baixa o custo de capital. Mas isso vira aumento de dívida pública. E tem um subsídio aqui dentro, além de você estar aumentando a dívida bruta para fazer o gasto. Não precisava pôr o BNDES para financiar a infraestrutura se você aceitasse uma TIR um pouco mais alta.
Aqui entra a filosofia do processo: tenho que ficar com o pedágio baixo porque quem usa a estrada é o cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na forma de custo da dívida, ele não vai nem perceber. Vai dizer que a culpa é dos banqueiros. Então, eu baixo a TIR, baixo o pedágio, dou dinheiro para o BNDES, aumento a dívida bruta. Isso gera uma carga sobre a sociedade inteira, mas o eleitor está defendido.
A forma como está sendo feita não é a forma correta. Desculpe, é correta para quem tem o objetivo político de se eleger e de usar esse tipo de instrumento para ficar no poder. Mas não do ponto de vista econômico.
O papel do BNDES na sua visão está desvirtuado?
O BNDES não precisava ir ao extremo que está indo.
O sr. se lembra de algum outro momento da história em que o BNDES tivesse sido usado…
Isso aí? Mas nunca!
Esse tipo de medida é fruto de um projeto político ou se deve à convicção de que é um modelo que pode levar ao desenvolvimento do país?
As duas coisas. O Lula tinha o mesmo objetivo que a Dilma. O PT tem um projeto de poder para muitas décadas. A Dilma continua no mesmo projeto. Mas o Lula não teve dúvidas em pegar um banqueiro reputado [Henrique Meirelles] e colocar no Banco Central, em escolher um ministro da Fazenda que não levou nenhum economista do PT para trabalhar com ele.
O Antonio Palocci tinha uma característica básica: ele ouvia as pessoas. Ouvia as críticas e não as tomava pessoalmente. Era capaz de processar aquela informação. O Lula tinha pragmatismo. Tinha um projeto de poder, mas não tinha vedação ideológica. Agora compara o atual ministro da Fazenda com isso o que descrevi sobre o Palocci…
Mas foi o próprio Lula que escolheu o atual ministro…
É, sumiu o pragmatismo. O projeto de poder continua, mas aquele negócio de usar a economia de mercado por conveniência do projeto político mudou. Agora você quer usar o social-desenvolvimentismo. Quer dizer, tem um componente ideológico agora muito maior.
E qual o cenário para 2014?
Está para nascer o candidato que não aumenta gasto público em um ano de eleição. Acho que o superavit primário [economia do governo para pagar juros da dívida] vai para baixo. Acho que essas transferências para o BNDES e para a Caixa continuam. Acho que a inflação fica alta, vai sacrificar a Petrobras, vai sacrificar a energia elétrica para não repassar tudo para o preço.
Há uma pressão que está aumentando sobre o câmbio. Estamos intervindo um caminhão no mercado de câmbio e ainda assim ele está em R$ 2,30. O Banco Central está vendendo muito, algum sucesso ele tem. Mas isso mostra a força que tem para depreciar o real.
E o que acontece com quem herdar esse abacaxi em 2015?
Descasca e, se não estiver podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável.
Sim, tudo é consertável.
Os problemas, no caso do Brasil, são: (1) a que custo/oportunidade? e (2) quando teremos alguém com capacidade e disposição para consertar tantas (e tão amplas) cagadas que foram feitas pela dupla Lulla+Dilma?