ENADE 2009

Vamos contextualizar primeiro:

O Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) 2009 foi aplicado em 8 de novembro. Mais de um milhão de ingressantes e concluintes de 7.080 cursos foram convocados para o exame. Para os 1.103.173 convocados, a prova é requisito obrigatório para a obtenção do diploma.

Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), houve apenas registros de problemas isolados, como os de chegada atrasada em locais de prova ou esquecimento por parte dos estudantes de documento de identificação. (FONTE: UOL Educação)

Após ouvir alguns comentários de alunos meus sobre a prova, resolvi analisar a íntegra da prova de Administração. O download do arquivo pode ser feito AQUI.

Li a prova, e teci alguns comentários gerais, que enviei aos meus alunos – os quais transcrevo aqui:

  • Há um grande (demasiado, até) número de questões que NADA têm a ver com administração; são algo entre “interpretação de texto” e “lógica”, mas por vezes demonstram que o INEP e o MEC estão tomados por cumpanheiros do PT, ignóbeis que só eles. Mas não fiquem tristes: o concurso do IPEA, um órgão da maior importância, também foi tomado por questões de viés esquerdisto-petralha. É preciso, pois, cuidado para não cair nas pegadinhas.
  • Pode se dar melhor nesta provinha quem consegue ler/interpretar bem as solicitações (por vezes ridículas) das questões do que quem conhece os assuntos. Os velhos problemas de provas do tipo “teste”…. aqui, porém, mais graves, devido à incompetência de quem redigiu as questões.
  • Em termos de conteúdo, a prova é básica. Trata dos temas essenciais das disciplinas. Mas é paupérrima nas questões de TGA/RH.

Fui solicitado a tecer alguns comentários mais detalhados sobre algumas questões, então resolvi publicá-los aqui no blog também. Voltei minha atenção à leitura (e análise) das questões sobre TGA (Teoria Geral da Administração) e marketing, por razões óbvias. As questões que li com mais atenção são:
11 – TGA
12 – TGA
13 – TGA
14 – TGA
15 – TGA
16 – MKT
18 – TGA
19 – TGA
20 – MKT
21 – MKT
22 – MKT
25 – TGA / MKT
26 – MKT
31 – MKT
39 – TGA
40 – MKT

Vejamos, por exemplo, a questão 13:

Durante sua atividade profissional, os administradores precisam tomar inúmeras decisões que envolvem riscos com impacto no desempenho de suas organizações. Fazem-no num contexto em que não dispõem de informações suficientes e têm restrições de recursos e de tempo para coletar mais informações para apoiar o seu processo decisório. Além disso, possuem limitações cognitivas que impedem alcançar uma solução ótima para os problemas que enfrentam.
Com base no texto, é CORRETO afirmar que os administradores tomam decisões num contexto de racionalidade
A) instrumental.
B) legal.
C) limitada.
D) plena.
E) técnica.

Uma questão meramente interpretativa, já que a resposta estava no próprio enunciado (“num contexto em que não dispõem de informações suficientes e têm restrições de recursos e de tempo para coletar mais informações para apoiar o seu processo decisório. Além disso, possuem limitações cognitivas que impedem alcançar uma solução ótima para os problemas que enfrentam“).

A questão “mede” o conhecimento (ou a competência) de um administrador de empresas ?!
NÃO. Só serve para ocupar espaço – e o tempo do coitado que precisa se deslocar até a PQP para fazer a bosta da provinha.

Mais um exemplo – a questão 14:

Saiu o resultado da pesquisa de clima organizacional da BomTempo S.A. Entretanto, os resultados relativos ao item Responsabilidade e Motivação com o Trabalho são os que mais preocupam Jorge, o Diretor de Recursos Humanos.
(ver a tabela com os resultados no arquivo original)
Alguns funcionários relataram, no campo do questionário reservado para comentários adicionais, que as atividades não utilizavam plenamente o seu potencial. Com base nas informações e nos dados apresentados, Jorge solicitou à sua equipe preparar algumas opções de planos voltados para gerar motivação com o trabalho e reverter essa situação junto aos funcionários. Por qual das alternativas Jorge deverá optar?
A) Abertura dos canais de comunicação e feedback.
B) Aumento do trabalho em grupo.
C) Enriquecimento de cargo lateral e vertical.
D) Participação dos funcionários no processo decisório.
E) Simplificação das atividades.

Nesta questão, há um problema grave, e outro menos grave.
O menos grave: a pergunta é bem babaquinha, né ?!
O mais grave: há 3 alternativas corretas (B, C e D). Vejamos:

  • Se formos buscar as explicações na Teoria de Relações Humanas, na qual o homem era visto como um ser SOCIAL, o aumento do trabalho em grupo poderia aumentar a percepção de cada funcionário sobre sua importância para aquela comunidade, exatamente como descrito na fase 2 da experiência de Hawthorne (Elton Mayo). Alternativa B correta.
  • O enriquecimento do cargo é uma solução bastante óbvia – mas a pegadinha é que enfiaram os termos “lateral e vertical”. Alguns certamente podem ter descartado esta alternativa por conta desse “enriquecimento lateral E vertical”, que poderia ter o sentido de “enlargement” ao invés de “empowerment” (em tempo: o “enriquecimento” se refere ao termo “empowerment”). Se utilizarmos os princípios do modelo japonês de administração, o empowerment (tanto lateral quanto vertical) pode ser apontado, sim, como fator capaz de aumentar a motivação com o trabalho e aproveitamento do potencial individual (basta ver os princípios da Toyota para fazer o seu “just-in-time” funcionar, assim como o Kanban e o Kaizen). Alternativa C correta.
  • A alternativa D também é bastante óbvia: ao aumentar a participação dos funcionários no processo decisório, eles sentir-se-iam mais motivados a continuar contribuindo – ao menos se utilizarmos princípios das teorias de Maslow e Herzberg.

Contudo, o problema central é o seguinte: em pleno Século XXI, qual a relevância de discutir esse tema tão batido há décadas ? Nenhuma.
Muita gente, hoje, prefere jogar um livrinho como “monge e o executivo” na mão dos alunos – afinal, aquele lixo caça-níqueis não é capaz de resolver todos os problemas, recorrendo à metáfora do “líder-servidor” (argh!!!!!) ????
O INEP/MEC prefere descartar as alternativas B e D: o gabarito aponta a resposta correta como sendo a C. 
Sim, a C está correta de fato – mas B e D também estão.

Na questão 15, mais problemas:

Um dos principais desafios do líder é conseguir a dedicação e o empenho de seus liderados na realização das atividades e tarefas que lhes competem, visando a alcançar os objetivos organizacionais. A liderança efetiva pressupõe, portanto, o conhecimento das principais teorias motivacionais que podem orientar as ações do líder com o objetivo de canalizar os esforços dos liderados.
É CORRETO afirmar, tendo em conta os conceitos básicos das teorias da motivação, que
A) a expectativa dos indivíduos sobre a sua habilidade em desempenhar uma tarefa com sucesso é uma importante fonte de motivação no trabalho.
B) objetivos genéricos e abrangentes, que dão margem para diferentes interpretações e ações, são uma importante fonte de motivação no trabalho.
C) os indivíduos tendem a se esforçar e a melhorar seu desempenho, quando acreditam que esse desempenho diferenciado resultará em recompensas para o grupo.
D) todas as modalidades de recompensas e punições são legítimas, quando seu intuito é estimular os esforços individuais em prol dos objetivos organizacionais.
E) todos os indivíduos possuem elevadas necessidades de poder, e a busca por atender a essas necessidades direciona os seus esforços individuais.

Pois bem……

Se recorrermos à teoria de Herzberg (fatores intrínsecos e extrínsecos, aumento da satisfação aliada à redução da insatisfação, fatores higiênicos e motivacionais), a alternativa A está correta.
Se, por outro lado, considerarmos a importância da cultura organizacional como fator capaz de motivar o grupo, a alternativa C também está correta – e volto a citar o modelo de administração japonês, que prezava a coletividade em detrimento da individualidade.

O gabarito oficial aponta a alternativa A como a correta.

E quanto às questões de marketing ?!
A questão 20 é uma enorme perda de tempo. A pessoa que não conhece NADA sobre o assunto, mas consegue interpretar o gráfico, acerta facilmente.
Por outro lado, se o cara estudou muito o assunto, azar o dele. Não precisava.
Mas o pior, neste caso, é o seguinte: o gabarito indica a alternativa E. 
Errado.

A alternativa E afirma que “o custo de atendimento é positivamente relacionado ao valor real do cliente”. Não é.
Basta ver o gráfico para perceber que esta afirmação somente é válida para os grupos 1 e 3, que têm valor  real MAIOR do que o custo de atendimento, enquanto o grupo 2 tem custo IGUAL ao valor, e finalmente os grupos 4 e 5 têm valor real (significativamente) MENOR do que o custo de atendimento.

A alternativa APROXIMADAMENTE correta é a D (“mais de dois terços da receita provêm de 10% dos clientes“). Aplicando-se a regra de Pareto, percebemos que os grupos 1 e 2, somados, respondem por 11% do total de clientes da empresa, e concentram nada menos do que 68% da receita. Tanto é verdade, que o valor estratégico destes grupos é BASTANTE superior ao dos demais.

Destaquei o “aproximadamente”, pois o valor exato não é 10% dos clientes, mas 11%.

O gabarito está errado.

A questão 21, relacionada à questão 20, é na verdade um exercício de adivinhação, futurologia pura.
Afirma-se o seguinte:

Com base na análise da figura, Alberto Santos pode definir a estratégia de marketing de relacionamento para a sua empresa.
Devem ser usadas estratégias de retenção para os clientes do Grupo 1.
PORQUE
O Grupo 1 é o que apresenta maior potencial de crescimento.
A respeito dessas duas afirmações, é CORRETO afirmar que

A) as duas afirmações são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira.
B) as duas afirmações são verdadeiras, e a segunda justifica a primeira.
C) a primeira afirmação é verdadeira, e a segunda é falsa.
D) a primeira afirmação é falsa, e a segunda é verdadeira.
E) as duas afirmações são falsas.

O gabarito indica como correta a alternativa C – porém, ela NÃO está correta. Ela está “menos errada”.

Isso se deve à ambiguidade do enunciado: Alberto Santos, diretor de marketing da 14 Bis Linhas Aéreas, dividiu a base de clientes da empresa em cinco grupos, com base no tamanho, na participação percentual na receita, no custo de atendimento e nos volumes de transações atuais (valor real) e potenciais (valor estratégico).

Como eu não estou dentro da cabeça do Alberto Santos, eu não sei que critérios foram usados para classificar o POTENCIAL dos clientes……. Foi o volume de compras ? Foi o mix de produtos/serviços adquiridos ? Foi o interesse da empresa em outros segmentos de negócios nos quais estes clientes também teriam interesse (e, assim, poderiam tornar-se clientes da empresa quando ela entrasse neste outro segmento) ?
Não sei.

Por isso mesmo, eu não posso afirmar categoricamente que o grupo 1 deve ser alvo de estratégias de retenção. Adeus, alternativa C.

A questão 25, FINALMENTE, traz um pouquinho de inteligência à prova.
Questão bem montada, com elementos capazes de se atingir uma conclusão. E o gabarito está correto!!!!!

Mas a alegria dura pouco: na página seguinte, a questão 26 volta ao problema da questão 21. Um lixo.

Tenho pena da educação brasileira.
E esta sensação aumenta a cada dia.

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